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quarta-feira, 22 de março de 2017

PAULO BERTRAN - PATRONO DA CADEIRA 21 DA ALANEG

Homenagem ao Historiador Paulo  Bertran, Patrono da Cadeira 21 da ALANEG

(Discurso do Professor XIKO MENDES proferido durante SOLENIDADE EM HOMENAGEM AO ESCRITOR PAULO BERTRAN em dezembro de 2005, em Planaltina – DF).

          Em nome da Diretoria da ACADEMIA PLANALTINENSE DE LETRAS da qual sou o atual Diretor Cultural e de Comunicação, e em nome de seus membros efetivos, entre os quais, a escritora Kora Lopes, Presidente da nossa Casa de Letras nesta bicentenária cidade histórica de Planaltina, venho prestar nossa homenagem a este grande intelectual brasileiro, mas sobretudo Intelectual deste Planalto Central – síntese da cultura mineiro-goiano-brasiliense.
          Venho aqui em primeiro lugar, não para falar sobre sua obra monumental – pois muitos falarão delas nos próximos anos – mas quero falar da amizade que construí ao longo dos últimos doze anos com este Homem do Cerrado. Conheci o Professor Paulo Bertran por acaso. Em setembro de 1993, alguns meses depois de ter concluído o Curso de História no Uni-CEUB e depois do Departamento de História daquela instituição ter escolhido a minha monografia como uma das duas melhores daquele ano, fui convidado a expor uma palestra sobre o tema da minha pesquisa na SEMANA DE HISTÓRIA que aconteceria naquele ano de 1993 lá no CEUB. E nesta palestra recebi o convite para conhecer o professor Paulo Bertran.
Minha monografia – que depois virou livro com o título “O MITO DA INTERIORIZAÇÃO ATRAVÉS DE BRASÍLIA – trazia um enfoque polêmico sobre a mudança da capital. Minha professora orientadora, Eleonora Zicari, doutora em História pela UnB e amiga do Professor Paulo Bertran, pediu, então, que fóssemos até ele verificar a possibilidade de publicar dois capítulos na revista “DF LETRAS” – publicação da Câmara Legislativa do DF idealizada e editada pelo escritor Paulo Bertran. Fomos, então, à casa dele no final da Asa Norte. Com seu jeito de goiano do interior, fala mansa, passos lentos, extremamente modesto, com uma simplicidade indizível, Paulo Bertran fez-nos adentrar, pacientemente, aos recintos de sua casa mostrando com a paixão própria dos grandes intelectuais todos os livros clássicos que dispunha em sua biblioteca sobre Brasil, Goiás, Centro-Oeste, e especialmente sobre esta vasta região do Planalto Central. Percebi, então, que estava diante de um grande mestre da Historiografia contemporânea. Naquele 1993 já estava escrevendo o seu clássico “HISTÓRIA DA TERRA E DO HOMEM NO PLANALTO CENTRAL”.
Fomos embora deixando ali parte da minha monografia para a DF LETRAS. Uma semana depois, o Prof. Paulo me ligou convidando-me para o “IIII Encontro de Historiadores do Planalto”, ocorrido em 93 na sede do Instituto Histórico e Geográfico do DF. Pediu-me para escrever uma palestra sobre Formoso-MG, minha terra natal e tema de outra pesquisa histórica que eu realizava, e que o deixou fascinado. Fiz a palestra e quando menos espero, chega em casa a nova edição da DF LETRAS. A surpresa: não saiu nada da monografia sobre Brasília, mas publicou na íntegra as quatro páginas da minha palestra sobre Formoso de Minas. Questionei-lhe, ao que me respondeu vários anos depois: “Xiko, cada um de nós temos uma paixão: você por Formoso de Minas; eu, por Brasília. Resolvi deixá-lo feliz sem que eu ficasse triste”.
Paulo Bertran eram assim: um soldado das letras na defesa de Brasília, um defensor do Planalto Central, enfim, um apaixonado por tudo que fazia, por tudo que o cercava – família, amigos, natureza, e o Cerrado, simbiose de todas as suas paixões. Nascido no antigo arraial de Santana das Antas – modernamente conhecido como Anápolis-GO – Paulo Bertran fez do Distrito Federal a extensão de sua terra de origem. E esta sua devoção telúrica e compromissada com a identidade candanga fez dele merecedor de várias homenagens. Uma delas ocorreu no plenário da Câmara Legislativa do DF na manhã de 16 de março de 2001, fruto de um projeto de resolução dos deputados distritais Maria José Maninha (PT) e Rodrigo Rollemberg (PSB). O Parlamento Brasiliense conferiu a ele o merecido título de CIDADÃO HONORÁRIO DE BRASÍLIA.
          Mas não apenas Brasília deveria fazer tal homenagem. Cidades como a nossa Planaltina e outras tantas que se espalham pelo território do Planalto Central deveriam fazer, periodicamente, atos evocatórios de sua memória, pois foi o historiador Paulo Bertran quem deu a estas cidades uma identidade de pertencimento pré-brasiliense. Na Historiografia sobre a Transferência da Capital para o Planalto Central, há, infelizmente, uma tendência teórico-triunfalista, que ainda é predominante: a de achar que antes de vir a Capital Federal para o Centro-Oeste, tudo nesta região era atraso; a impressão que se tinha nas cidades do Litoral era a de que o Centro-oeste era povoado de uma gente conservadora de costumes coloniais, embrutecida, cheia de arcaísmos do tempo dos bandeirantes, uma gente que só sabia criar gado curraleiro pé duro, plantar umas rocinhas em terrenos brejados e nada mais.
Tal preconceito, parte dele para justificar a Transferência da Capital, ignorava a identidade do Povo do Planalto Central. Ignorava que antes de Brasília cidades mineiras como Paracatu ou cidades goianas como Luziânia e Pirenópolis – só para ficar entre exemplos de lugares próximos de nós – eram todas pólos difusores de civilização, cidades que surgiram do encontro entre mineradores e pecuaristas, do encontro entre a cobiça e a vontade de fixar-se à terra. Deste encontro dialético entre um passado mediado pelos saberes milenares pré-colombianos dos Tapuias-jês, dos Crixás, dos Goiáses..., e os saberes do homem branco, desta fusão entre diferentes culturas nasceu isto que o historiador Paulo Bertran batizou, de forma apropriada, de Homo Cerratense.  Paulo Bertran mostrou que o Planalto Central, muito antes de Brasília existir, já era um pólo cultural dinâmico e permanente com culturas pré-históricas e legados relevantes para a formação do Povo Brasileiro residente no centro do país.
Revolvendo documentos perdidos em arquivos e que permaneceram inéditos por duzentos anos, consultando fontes nunca antes acessadas, identificando lugares, situações e personagens só citados em relatos empoeirados do Brasil-Colônia, o historiador Paulo Bertran construiu uma nova identidade desta gente do Cerrado. O Cerrado, nos livros do Professor Paulo Bertran, não é uma invenção geográfica do Tratado de Madri rasgando fronteiras imaginárias do Tratado de Tordesilhas entre portugueses e espanhóis. Paulo Bertran deu ao Cerrado uma unidade ecossistêmica que ao mesmo tempo é uma unidade cultural e eco-histórica onde natureza e cultura não são conceitos antagônicos.
Paulo Bertran foi um intelectual completo, não por que dominasse diferentes atividades de pesquisa, mas por que sabia recorrer, com humildade, a diferentes ciências e saberes como a Arqueologia, a Paleografia, a Paleontologia, a Espeleologia, a Ecologia e aos mais variados tipos de conhecimentos para fazer desse cruzamento de informações uma síntese agradável de se ler em páginas memoráveis que escreveu sobre o Cerrado brasileiro.
Como o sertão, para Guimarães Rosa, não tinha janelas nem portas por que o sertão é o mundo; para Paulo Bertran, o Cerrado é um mundo herdeiro de uma cultura cerratense ou cerradeira que vem lá da Pré-história e tem uma seqüência no tempo; um mundo que não é esse cerrado do agro-negócio e das pranchetas do IBGE que divide povos com história e cultura comuns em povos separados no mapa com esses nomes que a gente chama de Mato Grosso, de Goiás, de Distrito Federal ou de Minas Gerais. Para Paulo Bertran, o Povo Cerratense que, erradamente, chamamos de brasiliense, de mineiro, de goiano, de matogrossense..., é, na verdade, um povo único, singular na sua identidade ecossistêmica e eco-cultural. Paulo Bertran não via o Cerrado, aliás, ele não via nada em fragmentos, pois para ele a unidade na adversidade produzia, numa relação dialético-holística, a mudança e a permanência; o parto do novo era ao mesmo tempo a gestação de uma consciência ancestral promotora do senso de pertencimento.
Em livros que se tornaram clássicos como “História da Terra e do Homem no Planalto Central” ou “Notícia Geral da Capitania de Goiás”, entre tantos outros que escreveu, inclusive sobre várias cidades goianas como Palmeiras, Niquelândia ou Goiás Velho sempre fica patente seu compromisso quase que instintivo com a construção desta consciência holística evocatória da ancestralidade do Povo Cerratense. Evocar o passado sem fazer dele bandeira política para recuar nas transformações, e sim, para que a gente tenha uma dimensão temporal clara sobre a nossa existência eco-histórica é condição indispensável para que, num contexto de globalização como o que vivemos, não se confunda desenvolvimento do cerrado com a morte dele por meio de monoculturas voltadas para o mercado consumidor externo. Ler os livros de Paulo Bertran é o mesmo que soltar um grito de profundo silêncio onde só a alma cerratense milenar escuta e diz para Oreádes – a deusa pitonisa guardiã das tradições do Homo Cerratense – para que ela cuide do Cerrado, cuide dele antes que o Cerrado seja visto apenas nas obras do meu amigo amigo Paulo Bertran.
Mais uma vez, agora em nome da UNIFAM – União Nacional de Integração entre Formoso, Autoridades e Amigos de Minas, entidade que representa o Povo de Formoso de Minas em Brasília e que tenho a honra de presidir – quero agradecer do fundo do coração a oportunidade de compartilhar deste momento solene feito em memória da figura ímpar que é o Professor Paulo Bertran. Minha cidade – Formoso de Minas, que é também um município do Planalto Central, portanto, cidade co-irmã de Planaltina e cujo documento mais antigo sobre sua existência foi encontrado pelo historiador Paulo Bertran no Arquivo Ultramarino de Lisboa – faz-se presente neste agradecimento por tudo o que ele fez por estas tantas cidades cerratenses.
E Planaltina – trevo de passagem de gente do sertão que perambulava pela Picada da Bahia nos tempos coloniais e hospedava-se na casa do Mestre d’Armas, herói anônimo fundador desta cidade-mãe de Brasília, sente-se igualmente rejubilada nesta noite de encantamento com o Homem do Cerrado. Planaltina, cidade a que Paulo Bertran dedicou páginas primorosas para falar de seu passado colonial, tem sua origem como resultante do encontro entre a decadência da mineração no fim do século XVIII e a prosperidade da pecuária nascente no começo do século XIX. E esta Planaltina de casarios coloniais, que guarda reminiscências bicentenárias nos becos de silêncio indizível, tenho certeza, está honrada de ser, nesta noite maravilhosa, o local escolhido para homenagear o escritor Paulo Bertran falecido no mês de outubro passado.

Obrigado Escritor Paulo Bertran! Que Oreádes, a Deusa Protetora do Cerrado e musa preferida que te inspirou tantos livros, ouça sua voz persistente na defesa do nosso Cerrado. Que Oreádes inspire esta gente cerratense como o Povo de Planaltina a construir uma consciência ancestral e ecológica capaz de conciliar passado e presente promovendo o progresso, mas conservando a natureza.

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