Homenagem ao Historiador Paulo Bertran, Patrono da Cadeira 21 da ALANEG
(Discurso do Professor XIKO MENDES
proferido durante SOLENIDADE EM HOMENAGEM AO ESCRITOR PAULO BERTRAN em dezembro
de 2005, em Planaltina – DF).
Em
nome da Diretoria da ACADEMIA PLANALTINENSE DE LETRAS da qual sou o
atual Diretor Cultural e de Comunicação, e em nome de seus membros efetivos,
entre os quais, a escritora Kora Lopes, Presidente da nossa Casa de Letras nesta
bicentenária cidade histórica de Planaltina, venho prestar nossa homenagem a
este grande intelectual brasileiro, mas sobretudo Intelectual deste Planalto
Central – síntese da cultura mineiro-goiano-brasiliense.
Venho
aqui em primeiro lugar, não para falar sobre sua obra monumental – pois muitos
falarão delas nos próximos anos – mas quero falar da amizade que construí ao
longo dos últimos doze anos com este Homem do Cerrado. Conheci o Professor
Paulo Bertran por acaso. Em setembro de 1993, alguns meses depois de ter
concluído o Curso de História no Uni-CEUB e depois do Departamento de História
daquela instituição ter escolhido a minha monografia como uma das duas melhores
daquele ano, fui convidado a expor uma palestra sobre o tema da minha pesquisa
na SEMANA DE HISTÓRIA que aconteceria naquele ano de 1993 lá no CEUB. E nesta
palestra recebi o convite para conhecer o professor Paulo Bertran.
Minha monografia – que depois virou livro
com o título “O MITO DA INTERIORIZAÇÃO ATRAVÉS DE BRASÍLIA – trazia um enfoque
polêmico sobre a mudança da capital. Minha professora orientadora, Eleonora
Zicari, doutora em História pela UnB e amiga do Professor Paulo Bertran, pediu,
então, que fóssemos até ele verificar a possibilidade de publicar dois
capítulos na revista “DF LETRAS” – publicação da Câmara Legislativa do DF idealizada
e editada pelo escritor Paulo Bertran. Fomos, então, à casa dele no final da
Asa Norte. Com seu jeito de goiano do interior, fala mansa, passos lentos,
extremamente modesto, com uma simplicidade indizível, Paulo Bertran fez-nos
adentrar, pacientemente, aos recintos de sua casa mostrando com a paixão
própria dos grandes intelectuais todos os livros clássicos que dispunha em sua
biblioteca sobre Brasil, Goiás, Centro-Oeste, e especialmente sobre esta vasta
região do Planalto Central. Percebi, então, que estava diante de um grande
mestre da Historiografia contemporânea. Naquele 1993 já estava escrevendo o seu
clássico “HISTÓRIA DA TERRA E DO HOMEM NO PLANALTO CENTRAL”.
Fomos embora deixando ali parte da minha
monografia para a DF LETRAS. Uma semana depois, o Prof. Paulo me ligou
convidando-me para o “IIII Encontro de Historiadores do Planalto”,
ocorrido em 93 na sede do Instituto Histórico e Geográfico do DF. Pediu-me para
escrever uma palestra sobre Formoso-MG, minha terra natal e tema de outra
pesquisa histórica que eu realizava, e que o deixou fascinado. Fiz a palestra e
quando menos espero, chega em casa a nova edição da DF LETRAS. A surpresa: não
saiu nada da monografia sobre Brasília, mas publicou na íntegra as quatro
páginas da minha palestra sobre Formoso de Minas. Questionei-lhe, ao que me
respondeu vários anos depois: “Xiko, cada um de nós temos uma paixão: você
por Formoso de Minas; eu, por Brasília. Resolvi deixá-lo feliz sem que eu
ficasse triste”.
Paulo Bertran eram assim: um soldado das
letras na defesa de Brasília, um defensor do Planalto Central, enfim, um
apaixonado por tudo que fazia, por tudo que o cercava – família, amigos,
natureza, e o Cerrado, simbiose de todas as suas paixões. Nascido no antigo
arraial de Santana das Antas – modernamente conhecido como Anápolis-GO – Paulo
Bertran fez do Distrito Federal a extensão de sua terra de origem. E esta sua
devoção telúrica e compromissada com a identidade candanga fez dele merecedor
de várias homenagens. Uma delas ocorreu no plenário da Câmara Legislativa do DF
na manhã de 16 de março de 2001, fruto de um projeto de resolução dos deputados
distritais Maria José Maninha (PT) e Rodrigo Rollemberg (PSB). O Parlamento
Brasiliense conferiu a ele o merecido título de CIDADÃO HONORÁRIO DE
BRASÍLIA.
Mas
não apenas Brasília deveria fazer tal homenagem. Cidades como a nossa
Planaltina e outras tantas que se espalham pelo território do Planalto Central
deveriam fazer, periodicamente, atos evocatórios de sua memória, pois foi o
historiador Paulo Bertran quem deu a estas cidades uma identidade de
pertencimento pré-brasiliense. Na Historiografia sobre a Transferência da
Capital para o Planalto Central, há, infelizmente, uma tendência
teórico-triunfalista, que ainda é predominante: a de achar que antes de vir a
Capital Federal para o Centro-Oeste, tudo nesta região era atraso; a impressão
que se tinha nas cidades do Litoral era a de que o Centro-oeste era povoado de
uma gente conservadora de costumes coloniais, embrutecida, cheia de arcaísmos
do tempo dos bandeirantes, uma gente que só sabia criar gado curraleiro pé
duro, plantar umas rocinhas em terrenos brejados e nada mais.
Tal preconceito, parte dele para justificar
a Transferência da Capital, ignorava a identidade do Povo do Planalto Central.
Ignorava que antes de Brasília cidades mineiras como Paracatu ou cidades
goianas como Luziânia e Pirenópolis – só para ficar entre exemplos de lugares
próximos de nós – eram todas pólos difusores de civilização, cidades que
surgiram do encontro entre mineradores e pecuaristas, do encontro entre a
cobiça e a vontade de fixar-se à terra. Deste encontro dialético entre um
passado mediado pelos saberes milenares pré-colombianos dos Tapuias-jês, dos
Crixás, dos Goiáses..., e os saberes do homem branco, desta fusão entre diferentes
culturas nasceu isto que o historiador Paulo Bertran batizou, de forma
apropriada, de Homo Cerratense.
Paulo Bertran mostrou que o Planalto Central, muito antes de Brasília
existir, já era um pólo cultural dinâmico e permanente com culturas pré-históricas
e legados relevantes para a formação do Povo Brasileiro residente no centro do
país.
Revolvendo documentos perdidos em arquivos
e que permaneceram inéditos por duzentos anos, consultando fontes nunca antes
acessadas, identificando lugares, situações e personagens só citados em relatos
empoeirados do Brasil-Colônia, o historiador Paulo Bertran construiu uma nova
identidade desta gente do Cerrado. O Cerrado, nos livros do Professor Paulo
Bertran, não é uma invenção geográfica do Tratado de Madri rasgando fronteiras
imaginárias do Tratado de Tordesilhas entre portugueses e espanhóis. Paulo
Bertran deu ao Cerrado uma unidade ecossistêmica que ao mesmo tempo é uma
unidade cultural e eco-histórica onde natureza e cultura não são conceitos
antagônicos.
Paulo Bertran foi um intelectual completo,
não por que dominasse diferentes atividades de pesquisa, mas por que sabia
recorrer, com humildade, a diferentes ciências e saberes como a Arqueologia, a
Paleografia, a Paleontologia, a Espeleologia, a Ecologia e aos mais variados
tipos de conhecimentos para fazer desse cruzamento de informações uma síntese
agradável de se ler em páginas memoráveis que escreveu sobre o Cerrado
brasileiro.
Como o sertão, para Guimarães Rosa, não
tinha janelas nem portas por que o sertão é o mundo; para Paulo Bertran, o
Cerrado é um mundo herdeiro de uma cultura cerratense ou cerradeira que vem lá
da Pré-história e tem uma seqüência no tempo; um mundo que não é esse cerrado
do agro-negócio e das pranchetas do IBGE que divide povos com história e
cultura comuns em povos separados no mapa com esses nomes que a gente chama de
Mato Grosso, de Goiás, de Distrito Federal ou de Minas Gerais. Para Paulo
Bertran, o Povo Cerratense que, erradamente, chamamos de brasiliense, de
mineiro, de goiano, de matogrossense..., é, na verdade, um povo único, singular
na sua identidade ecossistêmica e eco-cultural. Paulo Bertran não via o
Cerrado, aliás, ele não via nada em fragmentos, pois para ele a unidade na
adversidade produzia, numa relação dialético-holística, a mudança e a
permanência; o parto do novo era ao mesmo tempo a gestação de uma consciência
ancestral promotora do senso de pertencimento.
Em livros que se tornaram clássicos como “História
da Terra e do Homem no Planalto Central” ou “Notícia Geral da Capitania
de Goiás”, entre tantos outros que escreveu, inclusive sobre várias cidades
goianas como Palmeiras, Niquelândia ou Goiás Velho sempre fica patente seu
compromisso quase que instintivo com a construção desta consciência holística
evocatória da ancestralidade do Povo Cerratense. Evocar o passado sem fazer
dele bandeira política para recuar nas transformações, e sim, para que a gente
tenha uma dimensão temporal clara sobre a nossa existência eco-histórica é
condição indispensável para que, num contexto de globalização como o que
vivemos, não se confunda desenvolvimento do cerrado com a morte dele por meio
de monoculturas voltadas para o mercado consumidor externo. Ler os livros de
Paulo Bertran é o mesmo que soltar um grito de profundo silêncio onde só a alma
cerratense milenar escuta e diz para Oreádes – a deusa pitonisa guardiã das
tradições do Homo Cerratense – para que ela cuide do Cerrado, cuide dele antes
que o Cerrado seja visto apenas nas obras do meu amigo amigo Paulo Bertran.
Mais uma vez, agora em nome da UNIFAM –
União Nacional de Integração entre Formoso, Autoridades e Amigos de Minas,
entidade que representa o Povo de Formoso de Minas em Brasília e que tenho a
honra de presidir – quero agradecer do fundo do coração a oportunidade de compartilhar
deste momento solene feito em memória da figura ímpar que é o Professor Paulo
Bertran. Minha cidade – Formoso de Minas, que é também um município do Planalto
Central, portanto, cidade co-irmã de Planaltina e cujo documento mais antigo
sobre sua existência foi encontrado pelo historiador Paulo Bertran no Arquivo
Ultramarino de Lisboa – faz-se presente neste agradecimento por tudo o que
ele fez por estas tantas cidades cerratenses.
E Planaltina – trevo de passagem de gente
do sertão que perambulava pela Picada da Bahia nos tempos coloniais e
hospedava-se na casa do Mestre d’Armas, herói anônimo fundador desta
cidade-mãe de Brasília, sente-se igualmente rejubilada nesta noite de
encantamento com o Homem do Cerrado. Planaltina, cidade a que Paulo Bertran
dedicou páginas primorosas para falar de seu passado colonial, tem sua origem
como resultante do encontro entre a decadência da mineração no fim do século
XVIII e a prosperidade da pecuária nascente no começo do século XIX. E esta
Planaltina de casarios coloniais, que guarda reminiscências bicentenárias nos
becos de silêncio indizível, tenho certeza, está honrada de ser, nesta noite
maravilhosa, o local escolhido para homenagear o escritor Paulo Bertran
falecido no mês de outubro passado.
Obrigado Escritor Paulo Bertran! Que
Oreádes, a Deusa Protetora do Cerrado e musa preferida que te inspirou tantos
livros, ouça sua voz persistente na defesa do nosso Cerrado. Que Oreádes
inspire esta gente cerratense como o Povo de Planaltina a construir uma consciência
ancestral e ecológica capaz de conciliar passado e presente promovendo o
progresso, mas conservando a natureza.
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